Mãe carinhosa

 

Pois Leonor, é isso, não sei mais como agir. Passam-se dias e noites e meu coração segue aflito, palpitando desordenadamente, cheio de ansiedade. Eu nunca senti isso antes com ela, ela nunca me causou isso. São tantos anos.

Não podia deixar de escutar àquela conversa. Estava sozinha há algumas horas tomando sol na praia do Bogatell e havia esquecido meus fones de ouvido. Não fosse isso, não teria escutado o que falava este português à sua companheira de praia, Leonor. Tentei me distrair com meu novo aparato eletrônico de ler livros — o kindle — , não pensei que abriria mão do papel real, tangível, e me renderia a esta nova forma de ler, tão artificial me parecia. Novo pra mim, ao menos, que sou como jegue empacado às vezes.

Ela pediu-me que lhe desse um tempo, que estou a importuná-la com tantos questionamentos. Que me ama, que me ama mais do que tudo nesse mundo, mas que estou demasiado em cima. Tirando-lhe o ar, Leonor! Tirando-lhe o ar!

 
 
 

ilustração Taiom Almeida

 
 

Leonor seguia calada, desde que chegou, porém mirava-o fixamente com interesse demais naquele homem que só se lamentava. Ouso dizer que parecia até fingir uma preocupação, só para mantê-lo falando, despejando seus desprazeres em seu ombro, que queria ser mais do que amigo.

O homem, cujo nome nunca descobri, pois Leonor falava demasiado baixo, se deitou e suspirou. Ela continuou sentada olhando-o. Como pode ela me dizer que não posso mais viver com ela? Que tenho que seguir minha vida? Eu não sei o que fazer, Leonor, já passei por muitas dificuldades nessa vida, e como passei. Mas por algo assim nunca, e nunca esperei isso vindo dela. Moldei toda a minha vida contando com o apoio dela, e agora tudo está em ruínas. Achas que exagero? Que estou a sofrer demais por uma pessoa que não me dá o valor que deveria?

Eu já queria desvencilhar-me daquela conversa. Não sei o que acontece com a gente, quando estamos no estrangeiro e ouvimos gente falando a nossa língua, os ouvidos só sabem escutar o que lhes é confortável. E o português de Portugal é muito confortável para os meus. Pior, o português de Portugal é como música boa para meus ouvidos e para minha imaginação poética e sofrida. Então escutar àquelas lamúrias do Português para com sua Leonor era como estar tomando um vinho verde à beira do Alentejo com um instrumental de Cesaria Evora ao fundo. Ainda que quisesse desvencilhar-me, porque passei a não suportar as lamúrias daquele homem, difícil demais voltar minha atenção à qualquer outra coisa.

Estava eu já me perguntando como pôde essa mulher por quem ele tanto se dói, aguentá-lo por tanto tempo?

Ela sabe que meu emprego não cobre o arrendamento na Estrela. Ela sabe que viverei como um indigente jogado às traças sem qualquer sentido em viver nessa situação precária em que me encontro. Ela sabe, Leonor. Isso que me enfurece!

E continuou, com a face cada vez mais avermelhada e borbulhando, e não era pelo sol escaldante da Catalunha em pleno julho.

Ela não pode abandonar-me assim à sorte porque agora há outro homem em sua vida. Que saudade sinto da época em que estava vivo meu pai, daquele tempo em que vivíamos em harmonia e ela não tinha tantas vontades tão firmes. Era feliz e e não sabia, valha-me o clichê! Estou indignado com tanta falta de amor que ela diz ter de sobra por mim! É minha mãe, Leonor!

Foi-se o tempo em que mães cuidavam dos seus filhos! Que descanse em paz meu amado pai e que ele esteja a cuidar de mim lá dos céus, ao menos ele olha por mim, uma pena ser de tão longe.

Não pude senão engolir uma gargalhada. O filho pródigo e Leonor me olharam com suspeita. Levantei-me num impulso e estirei a canga rapidamente. Não me atentei ao vento que também estava contra eles e jogou toda a areia que há algumas horas se encontrava depositada abaixo das minhas nádegas, em suas faces. Diretamente em suas faces.

Perdón! — pedi, disfarçando o meu português.

Me olharam feio e me xingaram entre eles. Mas até os xingamentos em Portugal são poéticos e não me ofenderam. Recolhi minhas coisas e depois de alguns segundos pelejando com meus próprios argumentos mentais, virei-me e revelei-me:

Castigo merecido, ingrato.